segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Reflexões a partir do filme “O MENINO SELVAGEM”:

Pensando no que disse Immanuel Kant “O homem é a única criatura que precisa ser educada. Por educação entende-se o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução com a formação. Consequentemente, o homem é infante, educando e discípulo. (KANT, Editora UNIMEP, 2002). Lembrei-me destas palavras porque Victor não teve nenhum tipo de orientação e influência humanas, caminhando e vivendo como um animal, morando em tocas como eles e usando muito mais o olfato do que os outros sentidos, provavelmente sendo criado e observando animais e parecendo-se com eles. Victor não percebia o mundo como os outros seres humanos porque não teve os mesmos parâmetros das outras pessoas, aprendeu a “ler” o mundo como os animais com quem convivia.
Analisando a reação das outras pessoas ao conhecerem Victor percebemos como o preconceito e a repulsa ao diferente sempre estiveram presentes na sociedade. As pessoas não viam o menino como um humano que não teve a oportunidade de aprender com outros humanos hábitos, costumes e cultura. Viam-no como um deficiente, alguém incapaz de aprender ou conviver com outras pessoas, de desenvolver hábitos e atitudes considerados normais para nossa civilização. Neste aspecto, o filme mostra bem o que a sociedade da época fazia com as pessoas consideradas diferentes: eram rotuladas como incapazes e levadas para instituições que cuidassem delas, poupando a sociedade considerada “normal” do convívio com estas pessoas.
Jean Itard utilizou o modelo clínico de educação, enfatizando terapias para o desenvolvimento da fala e a cura da possível surdez ou deficiência, tentando assim sua reabilitação para os parâmetros normais de comportamento, pois em 1802 ele afirmou que o surdo podia ser treinado para ouvir palavras. Considero que o médico foi muito paciente e dedicado, trabalhando as dificuldades do menino de acordo com o que ele considerava certo. Utilizou o recurso do prêmio para o sucesso e castigo para os fracassos. Este método parece-nos, a princípio, muito cruel, mas refletindo podemos reconhecê-lo em muitas das nossas práticas, seja como mães ou como educadoras.
Uma peculiaridade do trabalho de Itard é que ele não deixava Victor se comunicar por sinais, insistia para que o menino falasse letras e palavras. Sabemos que o ser humano aprende
a falar nos primeiros dois anos de vida, como não teve contato com humanos, não desenvolveu esta habilidade. O médico utilizou algumas estratégias que reconheço em trabalhos de fonoaudiólogos e professores de técnica vocal: sentir o som nas cordas vocais com a mão no pescoço e soprar uma vela para dosar a intensidade do ar, técnicas utilizadas por ele para desenvolver a fala em Victor. Se pensarmos na evolução do tratamento e aprendizagem de pessoas surdas hoje, veremos que Victor aprendeu rapidamente a se comunicar e que tentava usar sinais como os meninos da instituição onde foi colocado no início do filme. Talvez por acreditar que não se tratava de uma pessoa surda e por defender a teoria que os surdos poderiam ser treinados para ouvir, Itard insistiu constantemente para que o menino falasse e aprendesse o alfabeto e a escrita, treinando a motricidade fina, a percepção visual e auditiva.
No que diz respeito à afetividade, Victor também não a conhecia, mas aos poucos aprendeu a estimar as pessoas que se dedicavam ao seu tratamento e lhe davam atenção. Aprendeu a demonstrar alegria, satisfação, medo e revolta. Reconheceu o esforço que Itard e sua governanta faziam para educá-lo e percebeu a importância de ter um lar.
Comparando a história de Victor com a história dos surdos, encontramos muitas semelhanças: o modelo clínico de tratamento, a insistência e os métodos para desenvolver a fala, a proibição de usar a linguagem de sinais, a discriminação e o preconceito. Assim como os surdos eram retirados do convívio em sociedade, o menino selvagem também foi considerado incapaz de conviver com as pessoas, tanto que logo foi rotulado de idiota, como eram reconhecidas as pessoas com deficiência mental. Por outro ângulo, podemos comparar as duas histórias no que diz respeito à superação. Assim como os surdos, que enfrentam o preconceito e o descaso da sociedade, Victor superou as dificuldades e progrediu consideravelmente.
Este filme me fez refletir muito sobre como nós vemos o diferente nas nossas escolas, a dificuldade e a resistência que muitos professores têm de fazer um trabalho diferenciado, contemplando a evolução das potencialidades que a criança com dificildades especiais tem. Também refleti sobre a afetividade, a necessidade de combinarmos a razão com a emoção para fazermos um trabalho que faça a diferença nesta sociedade tão consumista. Neste ponto, procuro incentivar a afetividade entre meus alunos, fazendo dinâmicas que propiciem os relacionamentos, trabalhando virtudes e valores e incentivando o respeito às diferenças.

Um comentário:

Marga disse...

Continuo afirmando Leila, que a riquesa das tuas postagens deveriam estar publicadas também em periódicos do meio acadêmico, para que todos docentes interessados como tu és numa educação de qualidade, pudessem compartilhar experiências e evidenciar aprendizagens!Parabéns!